Ataxia de Friedreich

Mesmo sendo controverso o conceito de etnia (ou mesmo o mais antigo de “raça”), certas doenças são mais prevalentes em certas populações que em outras — seja por fatores sociais, ambientais ou mesmo genéticos. Dentre os genes associados a doenças, alguns conferem vantagem seletiva (vide exemplos, bastante citados, do efeito protetor dos diferentes genes causadores de hemoglobinopatias sobre a malária); outros aparecem devido ao efeito fundador.

O efeito fundador pode ocorrer quando o(a) ancestral comum de uma população isolada transmite uma mutação genética aos descendentes. Dependendo da manutenção do isolamento ou do tamanho da população ela dilui-se ou mesmo acaba desaparecendo.

A ataxia de Friedreich, é um exemplo do efeito fundador em populações caucasianas, constituindo uma das causas mais comuns de ataxia hereditária entre populações de origem europeia (nestas com uma prevalência estimada entre 1:29.000 e 1:50.000 e constituindo cerca de 50% dos casos de ataxia hereditária).

O professor Nikolaus Friedreich (1825-1882), da Universidade de Heidelberg, descreveu a doença em 1863 e a diferenciou clinicamente da (muito mais prevalente na época) tabes dorsalis. Suas características clínicas são as seguintes:

  • Início dos sintomas na infância ou adolescência
  • Ataxia de evolução progressiva
    Presença de componentes cerebelares e sensoriais (perda de propriocepção, arreflexia, sinal de Babinski)
  • Pé cavo
  • Cifoescoliose
  • Cardiomiopatia hipertrófica (em 50% dos casos) evoluindo com insuficiência cardíaca e arritmias
  • Diabetes mellitus (em 10% dos casos)
  • Perda auditiva e atrofia óptica ocorrem ocasionalmente
  • Disartria e disfagia aparecem mais tardiamente

Uma expansão do trinucleotideo GAA no gene da frataxina (locus 9q13-21.1) constitui a causa da doença em 95% dos casos. Normalmente há entre 6 a 28 repetições do trinucleotídeo dentro do gene e, entre pacientes com a ataxia de Friedreich e expansão do trinucleotídeo, o número de repetições aumenta para 66-1700.

Cumpre notar que as complicações cardiológicas são a maior causa de mortalidade entre portadores da doença, com as complicações respiratórias (causadas pela cifoescoliose e pelo imobilismo) contando com outro tanto. Até o momento, os tratamentos têm se enfocado nas terapias de reabilitação e nos tratamentos das complicações sistêmicas da doença (cardiomiopatia, deformidades esqueléticas, diabetes).

Medicações como o 5-hidroxitriptofano, a idebenona e a coenzima Q até o momento mostraram resultados — na melhor das hipóteses — modestos.


Bibliografia:

Corben, Louise A. et al. Consensus clinical management guidelines for Friedreich ataxia. Orphanet Journal of Rare Diseases. 2014;9(184). Acessado em agosto de 2020.
Henchcliffe, Claire. Ataxia & Cerebelar Disease. In: Brust, John C. M. (ed) Current Diagnosis & Treatment in Neurology. McGraw-Hill, 2012.
Chapter 21: Ataxia. In: Fahn, Stanley; Jankovic, Joseph; Hallett, Mark. Principles and Practice of Movement Disorders. Saunders, 2011.

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