Tipologia

… Craniometry, phrenology, physiognomy, and comparative anatomy all shared long-standing beliefs that the outer body was a window into a host of moral, temperamental, racial or gender characteristics. (…) In many respects, however, in tying together physique and character (and encouraging certain physiques to be equated with superior mental and spiritual qualities), these anthropometric techniques had the reverse effect by substantiating a priori beliefs about class, race, and gender and highlighting the growing ambiguity inherent in the term normal.

(VERTINSKY, 2007.)

A tipologia já foi um assunto mais popular. Já nos Capítulos 72 (“Os Diferentes Tipos de Homem” [Tong Tian]) e 64 (“Os Vinte e Cinco Tipos de Pessoas Dentro das Diversas Características do Yin e do Yang” [Yin Yang Er Shi Wu Ren]) do Líng Shū há menção a características físicas e psíquicas e de como elas afetam tendências de adoecimento e definem tratamentos melhor recomendados.

Assim termina o primeiro parágrafo do Capítulo 72:

… Disse Shaoshi: “De uma maneira geral, algumas pessoas pertencem a Taiyin, outras pertencem a Shaoyin; algumas pertencem a Taiyang, outras pertencem a Shaoyang, e algumas pessoas são uma forma branda de Yin e de Yang. Em outras palavras, nos cinco tipos de pessoas, suas aparências são diferentes, as condições de forte ou fraco nos tendões e nos ossos são diferentes, e a condição de superabundância e debilidade de energia e no sangue também são diferentes”

O capítulo a seguir descreve características de comportamento, tendências de adoecimento a partir do excesso ou deficiência relativas do Yīn e do Yánɡ, recomendações de tratamento e algumas características físicas. O texto diz também que os tipos mencionados “são bastante diferentes das pessoas comuns”, havendo outros 25 tipos associados aos Cinco Elementos, descritos com mais detalhes no Capítulo 64:

Disse o Imperador Amarelo: “Disseram-me que alguns seres humanos pertencem ao Yin e outros ao Yang: quais as condições?” Disse Bogao: “Foi definido por Shaoshi que dentro das seis direções [Leste, Oeste, Norte, Sul, Acima, Abaixo] entre o Céu e a Terra, nada pode se afastar dos Cinco Elementos, e o homem corresponde a isso. Então, os vinte e cinco tipos de pessoa que pertencem aos Cinco Elementos estão excluídos dos tipos de pessoa do Yin e do Yang. Os aspectos das pessoas dos tipos Yin e Yang que contêm Taiyang, Shaoyang, Taiyin, Shaoyin e os tipos meigos diferem das pessoas comuns e eu já compreendi todos eles. Agora eu desejo ouvir a respeito dos vários aspectos dos vinte e cinco tipos de pessoas; suas características provêm do sangue e da energia e eu desejo entender as alterações dos órgãos internos examinando de fora: o que devo fazer?” (…) Disse Qibo: “Deve-se primeiro estabelecer a forma dos Cinco Elementos: Metal, Madeira, Água, Fogo e Terra, distinguir as cinco cores e separar os cinco tons, e então podem ser conhecidas as características da forma dos vinte e cinco tipos de pessoas.” (…)

O restante do capítulo trata da correlação entre as subdivisões e os diferentes Meridianos, as diferentes condições de plenitude e vazio e recomendações de tratamento conforme acometimento de Qì e/ou Xuè e respectiva localização (parte superior ou inferior do corpo; lado esquerdo ou direito).

Outras medicinas da Antiguidade também desenvolveram sistemas tipológicos, com outros fundamentos filosóficos, mas também procurando descrever características físicas e psíquicas, tendências de adoecimento e tratamentos melhor recomendados. Segundo o Ayurveda indiano, diferentes proporções de Calor/Frio, Secura/Umidade e Densidade/Sutileza definem os três Doṣas principais (assim como combinações de dois ou mesmo dos três Doṣas):

  • Pitta (Calor/Sutileza/Umidade),
  • Vāta (Frio/Sutileza/Secura), e
  • Kapha (Frio/Densidade/Umidade).

Na medicina greco-romana, com a Teoria dos Humores de Hipócrates de Cós (século V AEC) — aperfeiçoada por Galeno de Pérgamo (129-204 EC) —, preconizou-se a existência de quatro humores:

  • Bile Negra (Frio/Secura; associado ao elemento Terra),
  • Bile Amarela (Calor/Secura; associado ao elemento Fogo),
  • Sangue (Calor/Umidade; associado ao elemento Ar), e
  • Fleuma (Frio/Umidade; associado ao elemento Água).

Certamente existem pontos em comum entre as diferentes tipologias da Antiguidade, mas elas não são totalmente intercambiáveis.

A Acupuntura Constitucional coreana, esboçada no século XVII, encontra-se ainda em uso corrente. Definem-se quatro tipos principais de constituição corporal, com diferentes tendências de adoecimento através do vazio e da plenitude dos diferentes órgãos:

  • Tipo I (Tae-Yang [Tài Yáng]) – predominância do Excesso do Pulmão ou do Vazio do Fígado
  • Tipo II (So-Yang [Shǎo Yáng]) – predominância do Excesso do Baço ou do Vazio dos Rins
  • Tipo III (Tae-eum [Tài Yīn]) – predominância do Excesso do Fígado ou do Vazio do Pulmão
  • Tipo IV (So-eum [Shǎo Yīn]) – predominância do Excesso dos Rins ou Vazio do Baço

O tratamento segue princípios da regulação funcional através dos Cinco Elementos.

No século XIX o mestre Je Ma Lee, da Coreia, aprofundou os estudos dos tipos e criou os fundamentos da tipologia, desenvolvendo a fisiopatologia e o tratamento dos tipos constitucionais (…) O mestre Je Ma Lee deixou um tratado sobre as afecções do frio relacionado com os 4 tipos constitucionais, completando assim o Capítulo 72 do Ling Shu e o tratado deixado por Chang Chung Ching [Zhāng Zhōng-jǐng].

(LEE, 2013.)

É o caso também do Ayurveda. As ideias de Hipócrates e Galeno, entretanto, foram pouco a pouco suplantadas na Europa a partir do Renascimento, substituídas por outros modelos biomédicos. Assim mesmo, a Teoria dos Humores continuou a ser invocada como base para os tratamentos de “purgação dos humores” (eméticos, sudoríficos, laxativos, sangrias) até meados do século XIX.

Outras teorias tipológicas que tiveram fases de maior e menor voga neste período:

  • Astrologia Médica e Astrologia Natal – postulavam que a posição dos astros na data de nascimento determinariam tendências relativas ao estado de saúde ou doença e a características corporais e psicológicas; hoje em dia enfatizam muito mais a palavra “tendências” e muito menos o “determinam”;
  • Fisiognomia – correspondência de características faciais com as do caráter e da personalidade;
  • Frenologia – proposta por Franz Joseph Gall (1758-1828), correlacionava áreas do crânio com aptidões e características da personalidade; há muito desacreditada, apesar da premissa inicial (parcialmente verdadeira) da localização de funções nervosas em diferentes partes do encéfalo.
    (Nota: a Teoria do “Delinquente Nato” de Cesare Lombroso [1835-1909] utilizou elementos da Fisiognomia, da Frenologia, do Darwinismo Social e da Psiquiatria para supostamente identificar indivíduos criminosos.)

Mais modernamente, no século XX, apareceram outras teorias tipológicas. Dentre elas, as mais conhecidas são a do psiquiatra alemão Ernst Kretschmer (1888-1964) e a do psicólogo americano William Herbert Sheldon, Jr. (1898-1977).

A tipologia de Kretschmer compreendia 4 tipos principais:

  • Astênico – magro, franzino, de disposição tímida e propenso à esquizofrenia
  • Atlético – muscular e com a ossatura bem desenvolvida
  • Pícnico – atarracado, com tendência à obesidade; apresenta disposição amigável e é particularmente propenso à “loucura circular” (como era então nomeado o transtorno bipolar)
  • Displásicos – corporalmente mal-proporcionados

A de Sheldon compreendia 3 somatotipos, que supostamente corresponderiam ao tecido embrionário “mais desenvolvido” (sic) em cada um deles:

  • Ectomórfico – semelhante ao tipo astênico; alto, introvertido, inteligente, calmo, gentil e propenso à ansiedade
  • Mesomórfico – semelhante ao tipo atlético; forte, com cintura definida e pele mais espessa; extrovertido, de temperamento firme e competitivo
  • Endomórfico – semelhante ao tipo pícnico; de disposição alegre, com tendência à preguiça

A cooptação da tipologia por ideias eugenistas e racialistas (desde o aparecimento delas, no século XIX) fê-la perder influência pública e acadêmica — ainda mais com as falhas das várias tentativas de se procurar validá-la. Mesmo com a retomada do prestígio da Astrologia nos últimos 5 anos (por uma série de motivos), o uso que se faz dela é muito mais como instrumento de autoconhecimento e exploração psicológica. Tanto que tem sido raro se mencionar características físicas associadas ao mapa astral.

Nota:

… Seja qual for, o estudo do caráter e dos temperamentos traz um certo número de vantagens imediatas que percebemos facilmente. A primeira, é que ela produz a humildade; a humildade quando se percebe que os sinais mais típicos de nosso comportamento estão mais comumente em relação direta com nossas atividades biológicas e que as compartilhamos com os seres da mesma natureza, de mesma constituição. A segunda vantagem é, por essa relação, a de perceber que certos de nossos desequilíbrios psíquicos, notadamente nas crises, estão sob a dependência de desvios biológicos, dos quais é preciso buscar as causas que podem ser devidas a stress, a erros dietéticos, a excessiva vida sedentária, ao abuso de excitantes ou aparentemente independentes de nós, como as mudanças climáticas ou as influências cósmicas diversas, ou mais simplesmente ainda, as condições culturais do meio, as condições sociais de habitação ou de trabalho…

Essa relação permite soluções, como a correção de erros alimentares, para não citar somente a medida mais individual e fácil de ser posta em prática. Ela toma relativo também o diagnóstico estritamente psicanalítico que podemos emitir sobre nossos estados de alma, as vezes de modo excessivo, a torto e a direito.

A terceira vantagem é que produz a consciência de si mesmo. Ê a origem de numerosas teses filosóficas que estudaremos em Acupuntura e Filosofia. (…)

(RÉQUÉNA, 1990.)

Bibliografia:

D’Angelo, Edson; Côrtes, Janner R. Ayurveda: a ciência da longa vida. Madras, 2008.
Beck, J. The New Age of Astrology. The Atlantic. 16/01/2018. Acessado em setembro de 2021.
Cairus, Henrique F.; Ribeiro Jr, Wilson A. Textos hipocráticos: o doente, o médico e a doença. Rio de Janeiro, Fiocruz, 2005.
Eccles, Bernard. Astrological Physiognomy from Ptolemy to the Present Day. Skyscript. Acessado em setembro de 2021.
Kaptchuk, Ted. The web that has no weaver. New York: McGraw-Hill, 2000.
Lee, Eu Won. Acupuntura Constitucional Universal. Ícone, 2013.
Réquéna, Yves. Acupuntura e Psicologia. Andrei, 1990.
______. Psychologie énergétique. Yves Réquéna. Acessado em setembro de 2021.
Vertinsky, P. Physique as Destiny: William H. Sheldon, Barbara Honeyman Heath and the Struggle for Hegemony in the Science of Somatotyping. Canadian Bulletin of Medical History. 2007;24(2):291–316.
Wang, Bing. Princípios de Medicina Interna do Imperador Amarelo. 1a ed. (trad.) Ícone, 2001. p. 747-54,776-9.
AstroWiki. In: Astrodienst AG. Acessado em setembro de 2021.
Cesare Lombroso. Wikipedia. Acessado em setembro de 2021.
Ernst Kretschmer. Wikipedia. Acessado em setembro de 2021.
Franz Joseph Gall. Wikipedia. Acessado em setembro de 2021.
Phrenology. Wikipedia. Acessado em setembro de 2021.
Physiognomy. Wikipedia. Acessado em setembro de 2021.
William Herbert Sheldon. Wikipedia. Acessado em setembro de 2021.

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