GCS (Glasgow Coma Scale) e Outras Escalas Clínicas de Coma

… E, sobretudo, através dele [do cérebro], pensamos, compreendemos, vemos, ouvimos e reconhecemos o que é feio e o que é belo, o que é ruim e o que é bom, o que é agradável e o que é desagradável, tanto distinguindo as coisas conforme o costume, quanto sentindo-as conforme o que for conveniente (…)

(HIPÓCRATES, In: Da Doença Sagrada, 14Littré [17Jones].)

Define-se o estado de consciência do ponto de vista estritamente neurológico (sem entrar nas discussões da Filosofia sobre o tema) como uma condição de conhecimento da pessoa como ser distinto do ambiente que a cerca, assim como sua relação com o mesmo. Em 1969 Michel V.M. Jouvet (1925-2017) procurou quantificar alterações de nível de consciência e padronizar a avaliação com a escala que levaria o seu nome.

Escala de Coma de Jouvet
Parâmetros
Perceptividade (P)

  • Orientação temporal e espacial;
  • execução de ordem verbal escrita; e
  • execução de ordem verbal falada

P1 – ausência de perda de consciência
(Plena orientação temporal e espacial; atende ordens verbais escritas e verbais faladas.)
P2 – obnubilação
(Desorientação temporal ou espacial OU incapacidade para atender ordem verbal escrita; atende ordem verbal falada.)
P3 – torpor
(Desorientação temporal e espacial e incapacidade para atender ordem verbal escrita; atende com dificuldade ordem verbal falada. Reflexo de piscamento preservado.)
P4
(Mantém apenas reflexo de piscamento.)
P5
(Ausência do reflexo de piscamento.)
Reatividade inespecífica (R) R1
(Orientação ocular e cefálica preservada em direção a estímulo sonoro; ou abertura ocular em resposta ao mesmo.)
R2
(Mantém abertura ocular em resposta a estímulo sonoro.)
R3
(Ausência de resposta a estímulo sonoro.)
Reatividade a estímulo doloroso (D) D1
(Mímica facial ou vocalização, abertura ocular e retirada reflexa da extremidade estimulada.)
D2
(Ausência de mímica facial ou vocalização; preservação de abertura ocular e retirada reflexa da extremidade estimulada.)
D3
(Mantém apenas retirada reflexa da extremidade estimulada.)
D4
(Ausência de resposta a estímulo doloroso.)
Resposta autonômica a estímulo doloroso (V)
Variação do ritmo respiratório e da frequência cardíaca; sudorese ou rubor local; midríase
V1
(Resposta autonômica presente.)
V2
(Ausência de resposta autonômica.)

O escore final obtém-se somando a pontuação nos quesitos Perceptividade (P), Reatividade inespecífica (R), Reatividade a estímulo doloroso (D) e Resposta autonômica a estímulo doloroso (V), variando entre coma profundo (P1R1D1V1) e plena consciência (P5R3D4V2). Apesar de apresentar boa correlação do escore com lesões neurológicas, ela é demasiado complexa para uso em serviços de urgência e emergência, onde há a maior demanda de atendimento de pacientes portadores de coma ou outras alterações de nível de consciência.

Graham Teasdale e Bryan Jennett descreveram a Escala de Coma de Glasgow em 1974 originalmente para avaliação de traumatismo crânio-encefálico, com os seguintes objetivos:

  • Facilidade de uso em serviços de urgência e emergência
  • Uma comunicação mais uniforme dos achados
  • Padronização de dados para fins de pesquisa

Devido a estas qualidades, desde a primeira edição do ATLS em 1980 se recomendou o seu uso em todos os casos de traumatismo. Em 1988 a WFNS utilizou os parâmetros da escala na avaliação de hemorragia subaracnóidea. Desde então a escala se tornou a mais utilizada em muitos serviços em vários países com o uso expandido para avaliação geral de coma (e não somente de traumatismo crânio-encefálico, como na proposta original).

Em 1979 criou-se um escore para a GCS, que varia entre 3 pontos (coma profundo) e 15 pontos (plena consciência):

Escala de Coma de Glasgow
Parâmetros
Olhos 4 pontos =
Abertura espontânea
3 pontos =
Abertura a comando verbal
2 pontos =
Abertura a estímulo doloroso
1 ponto =
Ausência de abertura ocular
Melhor resposta verbal 5 pontos =
Orientação pessoal, espacial e temporal preservadas
4 pontos =
Comunicação coerente mas presença de desorientação temporal/espacial
3 pontos =
Palavras isoladas inteligíveis
2 pontos =
Sons isolados
1 ponto =
Ausência de resposta verbal
Melhor resposta motora 6 pontos =
Atende comandos verbais para movimento
5 pontos =
Resposta localizadora para estímulo doloroso cefálico ou cervical
4 pontos =
Reação de retirada a estímulo doloroso em extremidade
3 pontos =
Padrão anormal de flexão (decorticação) a estímulo doloroso em extremidade
2 pontos =
Padrão anormal de extensão (decerebração) a estímulo doloroso em extremidade
1 ponto =
Ausência de quaisquer respostas motoras

Apesar da simplicidade e facilidade de uso, a GCS possui algumas imperfeições — particularmente para descrição de graus mais leves ou intermediários de alteração de nível de consciência:

  • Abertura ocular espontânea não implica necessariamente num estado de vigília
  • Limitação do parâmetro da abertura ocular em casos de trauma oftálmico/palpebral
  • Em pacientes intubados não é possível testar resposta verbal (havendo controvérsias em como determinar o escore nestes casos) e a própria utilidade da avaliação é limitada devido ao uso de benzodiazepínicos e bloqueadores neuromusculares
  • Questões éticas no uso do estímulo doloroso
  • A GCS praticamente não cobre alterações de tronco encefálico (com anormalidade de reflexos e de ritmo respiratório) de importância crucial no prognóstico

Procurando ao mesmo tempo preservar a simplicidade e facilidade de uso e incluir detalhes da função do tronco encefálico, em 2005 E.F.M. Wijdicks, W.R. Bamlet, B.V. Maramattom, E.M. Manno e R.L. McClelland descreveram uma nova escala clínica denominada FOUR Score.

Escala de Coma FOUR
Parâmetros
Resposta ocular (E) E4 =
Abertura ocular espontânea, movimentação ocular e piscamento presentes
(ou seguimento de alvo após abertura pelo[a] examinador[a])
E3 =
Abertura ocular mas sem seguimento de alvo
E2 =
Abertura ocular a estímulo sonoro
E1 =
Abertura ocular a estímulo doloroso
E0 =
Ausência de abertura ocular
Resposta motora (M) M4 =
Movimentação voluntária preservada
(movimentos de “afirmativo”, “punho cerrado” e “vitória”)
M3 =
Resposta localizadora para estímulo doloroso
M2 =
Resposta de flexão a estímulo doloroso
M1 =
Resposta extensora a estímulo doloroso
M0 =
Ausência de resposta, ou status mioclônico generalizado
Reflexos de tronco encefálico (B)
Fotorreagência e reflexo corneano de piscamento
B4 =
Reflexos pupilares e corneanos presentes
B3 =
Midríase fixa unilateral
B2 =
Ausência de fotorreagência OU de reflexo corneano
B1 =
Ausência de reflexos pupilares e corneanos; reflexo de tosse presente
B0 =
Ausência de reflexos pupilares, corneanos e de tosse
Respiração (R) R4 =
Respiração espontânea e regular
R3 =
Ritmo de Cheyne-Stokes
R2 =
Ritmo irregular
(apnêustico, atáxico, Biot)
R1 =
Intubação; ritmo respiratório acima daquele do aparelho
R0 =
Intubação, com ritmo respiratório do aparelho; apnéia

Graham Teasdale (um dos criadores da GCS original), Paul M. Brennan e Gordon D. Murray, ao perceberem a boa correlação da fotorreatividade pupilar ao prognóstico de traumatismos crânio-encefálicos, propuseram em 2018 o seu acréscimo à GCS, obtendo-se assim a GCS-P Score. Além dos parâmetros já avaliados (abertura ocular, resposta verbal e resposta motora), observa-se a fotorreagência pupilar da seguinte maneira:

  • Ambas as pupilas fotorreagentes – 0 pontos
  • Uma pupila arreativa – 1 ponto
  • Ausência de fotorreagência em ambos os lados – 2 pontos

Subtrai-se a pontuação do escore da GCS, daí obtendo-se uma faixa de valores entre 1 e 15 pontos para a GCS-P.

Mas, como dito na página da Royal College of Physicians and Surgeons of Glasgow sobre a GCS-P:

The combined GCS-P is not intended to replace the role of separate assessment and reporting of each component of the Glasgow Coma Scale and pupil response in the care of individual patients. It expands on the GCS Score as a simple shorthand index of the severity of a patient’s clinical state and prognosis, especially in more severe injuries. (…)

Existem várias outras escalas para avaliação de alterações de nível de consciência, mas bem menos conhecidas e de uso mais restrito que as citadas neste post.

Bibliografia:

Bordini, A.L.; Luiz, T.F.; Fernandes, M.; Arruda, W.O.; Teive, H.A.G. Coma scales: a historical review. Arq Neuropsiquiatr. 2010;68(6):930-7.
Cairus, Henrique F.; Ribeiro Jr, Wilson A. Textos hipocráticos: o doente, o médico e a doença. Rio de Janeiro, Fiocruz, 2005. p. 61-90.
McNamara, D. Glasgow Coma Scale Gets an Eye-Opening Update. Medscape. 19/04/2018. Acessado em outubro de 2021.
Posner, J.B.; Saper, C.B.; Schiff, N.D.; Claassen, J. (eds.) Plum and Posner’s Diagnosis and Treatment of Stupor and Coma. Oxford University Press, 2019.
What is the Glasgow Coma Scale Pupils Score? Royal College of Physicians and Surgeons of Glasgow. Acessado em outubro de 2021.

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.