Doença de Fabry

Há algum tempo, durante o meu período de Residência Médica em Neurologia, um de nossos preceptores chamou a atenção para o fato de se fazer muito mais diagnósticos de síndrome de Guillain-Barré que de doença de Fabry — apesar de ambas terem prevalências mais ou menos semelhantes. Como a síndrome de Guillain-Barré tem evolução aguda e representa diagnóstico diferencial com outras doenças de notificação compulsória (poliomielite, botulismo), normalmente a atenção é maior para esses casos. A doença de Fabry (e várias outras), por outro lado, receberam o apelido nada abonador de “doenças órfãs”, das quais pouco se aprende durante a formação médica e pouco se investe em tratamentos melhores.

O dermatologista alemão Johannes Fabry (1860 – 1930) e pelo cirurgião inglês William Anderson (1842 – 1900) descreveram inicialmente, em 1898, uma nova doença de caráter hereditário e a evolução crônica e progressiva.

Os sinais e sintomas são bastante variados, e compreendem:

  • Acroparestesias (episódicas ou crônicas) — um dos primeiros sintomas a aparecerem, normalmente diminuem com o tempo mas podem persistir na idade adulta
  • Angioqueratomas – bastante característicos sobre as coxas, virilhas e nádegas, e que deram origem ao outro nome da doença (angiokeratoma corporis diffusum)
  • Fadiga
  • Disfunção autonômica – disfunção gastrointestinal (com crises de dor abdominal, diarreia ou obstipação e vômitos) e hipoidrose/anidrose
  • Depósitos corneanos (”córnea verticillata“), catarata
  • Hipoacusia
  • Cardiomiopatia hipertrófica, arritmias com distúrbios de condução, insuficiência coronariana
  • Cefaleia, acidente isquêmico transitório, acidente vascular encefálico isquêmico
  • Insuficiência renal – ocorre tipicamente a partir da terceira década de vida e constitui a principal causa de morte pela doença (ao lado da doença cerebrovascular e dos distúrbios cardíacos, citados acima)
  • Hipertensão arterial

A doença de Fabry é uma das doenças de armazenamento lisossômico, causada por mutações do gene no locus Xq22 que codifica a enzima alfa-galactosidase; diferentemente de outra doenças ligadas ao X, as mulheres portadoras de uma cópia alterada podem apresentar sintomas (de intensidade variável) da doença, ou mesmo não apresentá-los de uma maneira muito óbvia. Ao se suspeitar da doença, a dosagem sérica da enzima alfa-galactosidase ou a análise do DNA podem confirmar o diagnóstico.

Com a diminuição (ou ausência) de atividade da enzima há consequentemente acúmulo de globotriaosilceramida (um glicoesfingolipídio) no interior das células. Esse acúmulo acarreta lesões em vários órgãos, o que acarreta os vários sintomas observados.

Até meados de 2001, o tratamento era principalmente sintomático e de controle das complicações vasculares. Desde então, com o lançamento de tratamentos de reposição enzimática (beta-agalsidade e alfa-agalsidase), houve uma mudança fundamental dos paradigmas de prognóstico e tratamento da doença.

A dificuldade no reconhecimento da doença, na solicitação dos exames necessários e o preço ainda bastante elevado das terapias de reposição constituem ainda barreiras para o tratamento. Conforme a tabela de preços da Anvisa (disponível em http://portal.anvisa.gov.br/listas-de-precos), o PF (Preço de Fábrica, sem ICMS) do Fabrazyme® (beta-agalsidase) é de R$ 10.682,34 e o do Replagal® (algalsidase alfa), R$ 4.942,01.

Medicação Dose do tratamento Total de frascos utiilizados por ano
(exemplo com pessoa pesando 70 kg)
Fabrazyme®
35 mg de pó liofilizado
1 mg/kg peso EV a cada 2 semanas 70 mg = 2 frascos por sessão = 4 frascos por mês = 48 frascos por ano
Replagal®
3,5 mL de solução injetável a 1 mg/mL
0,2 kg peso EV a cada 2 semanas 14 mg = 4 frascos por sessão = 8 frascos por mês = 96 frascos por ano

Nota:

Segue comentário do post original de 11/04/2011, que despertou a ideia de escrever d’A Importância das Associações de Pacientes.

Anônimo 16/06/2011 10:55

Bom dia, sou presidente da Ass. Gaúcha de Pacientes de Fabry, também trabalhamos em prol da divulgação e apoio aos portadores de Fabry, qualquer dúvida ou informação referentes a essa rara patologia pode entrar em contato pelos telefones (54) 3344-1858 e (54) 8126-5634 ou pelo email: arislongo@hotmail.com. Estamos à disposição…

(Vide Grupos e comunidades de apoio à doença de Fabry.)


Bibliografia:

ABRAFF – A Doença de Fabry. Campinas, 2020.
Fabry Disease – GeneReviews® – NCBI Books. Acessado em 2011.
Lista de preços de medicamentos – Anvisa. Acessado em junho de 2020.
OMIM Entry #301500 – Fabry Disease. Acessado em 2011.

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