“I can sing in my mind, but I can’t do it physically.”
(RONSTADT apud SCHULMAN, 2019.)
A paralisia supranuclear progressiva (PSP) consiste em uma doença neurodegenerativa progressiva, inicialmente descrita a partir de uma série de casos do neurologista John Clifford Richardson (1909-1986) da Universidade de Toronto. Juntamente com o residente John Steele (1934- ), admitido em 1961, e o patologista Jerzy Olszewski (1913-1964), eles caracterizaram esta nova síndrome sob os aspectos clínico e anátomo-patológico no Archives of Neurology em 1964 com o nome ainda usado atualmente.
Ao longo dos anos constatou-se que a PSP é uma doença heterogênea e com superposições clínicas a outras doenças neurodegenerativas, tais como degeneração frontotemporal, esclerose lateral amiotrófica, síndrome corticobasal. Pode haver dificuldades diagnósticas com atrofia multissistêmica ou (mais raramente, numa fase mais inicial) com doença de Parkinson.
Fenótipo | Características principais |
---|---|
Síndrome de Richardson (Descrição clássica da PSP.) |
Disfunção da movimentação ocular vertical Instabilidade postural precoce |
Predominantemente oculomotor | Predominantemente com disfunção na motilidade ocular extrínseca |
Predominantemente com instabilidade postural | Predominantemente com instabilidade postural |
Predominantemente com parkinsonismo | Apresentação inicial semelhante à doença de Parkinson (Posteriormente evoluindo com aparecimento de outros sinais/sintomas mais característicos da PSP.) |
Predominantemente com sintomas frontais | Apresentação com sintomas cognitivos e/ou comportamentais semelhantes às da degeneração frontotemporal |
Com freezing progressivo da marcha | Apresentação com hesitação e freezing da marcha |
Predominantemente com síndrome corticobasal | Presença de um sinal/sintoma de disfunção cortical e outro de distúrbio de movimento da síndrome corticobasal |
Predominantemente com distúrbio de fala/linguagem | Presença de apraxia de fala ou forma não-fluente/agramática de afasia primária |
Como os critérios de 1996 da NINDS-SPSP cobrem primordialmente a síndrome de Richardson, outras formas (como as citadas na tabela acima e outras ainda insuficientemente estudados, tais como formas associadas a esclerose lateral primária ou a ataxia cerebelar) que foram evidenciadas pela correlação clínica e neuropatológica da autópsia acabavam por receber um diagnóstico tardio. Para estes outros fenótipos leva-se entre 3 a 4 anos até o reconhecimento das alterações características de equilíbrio e de motilidade ocular.
Visando atualizar os critérios e melhorar a sensibilidade diagnóstica (mas sem perder a especificidade), o Grupo de Estudos da PSP da MDS publicou uma revisão em 2017.
Primeiramente, as seguintes características básicas devem obrigatoriamente estar presentes
- Idade de início dos primeiros sintomas: 40 anos ou posterior
- Evolução gradual
- Ocorrência esporádica (ou seja, não familiar e nem hereditária)
- Ausência de outras condições que melhor expliquem os sinais e sintomas presentes
Isso feito, avaliar as características essenciais clínicas:
Nível 3 | Nível 2 | Nível 1 | |
---|---|---|---|
Disfunção oculomotora | O3 Frequentes abalos oculares em onda quadrada (ou “apraxia para abertura ocular”/blefarospasmo) |
O2 Lentificação do movimento sacádico vertical |
O1 Paralisia supranuclear do olhar vertical |
Instabilidade postural (nos primeiros 3 anos de evolução) |
P3 “Pull test” com mais de 2 passos |
P2 “Pull test” com tendência a queda |
P1 Quedas não provocadas |
Acinesia | A3 Parkinsonismo com tremor e/ou assimetria e/ou resposta à levodopaterapia |
A2 Parkinsonismo rígido-acinético com predominância axial e resistência à levodopaterapia |
A1 Freezing de marcha progressivo nos primeiros 3 anos de evolução |
Disfunção cognitiva | C3 Disfunção cortical e distúrbio de movimento (síndrome corticobasal) |
C2 Sintoma cognitivo/comportamental (variante comportamental da degeneração frontotemporal) |
C1 Distúrbio de fala/linguagem (afasia primária progressiva ou apraxia progressiva de fala) |
Outras características, apesar de não apresentarem valor preditivo positivo suficiente para se qualificarem como parte dos critérios diagnósticos, servem como apoio adicional ao diagnóstico. São elas:
- Resistência à levodopaterapia (CC1)
- Disartria hipocinética/espástica (CC2)
- Disfagia (CC3)
- Fotofobia (CC4)
Observação: relacionados também achados imagenológicos que também possam ser de auxílio, apesar de ainda não terem sido incorporados aos critérios diagnósticos correntemente em uso. São eles: (1) achados mesencefálicos de atrofia (“sinal do beija-flor” ou “sinal da morning glory”) na MRI ou hipometabolismo ao estudo de PET com 18F‑FDG (IF1); e (2) degeneração pós-sináptica estriatal dopaminérgica ao estudo de PET ou de SPECT (IF2), apesar deste não ser específico para PSP.
Combinando as várias características chega-se a um nível de certeza diagnóstica de PSP:
Nível de certeza diagnóstica | Combinações | Fenótipo |
---|---|---|
Definitivo | Diagnóstico neuropatológico (Agregados fibrilares de proteína tau na substância nigra, no núcleo subtalâmico, na formação reticular e nos núcleos da base.) |
Todos |
Provável | O1 ou O2 + P1 ou P2 | Síndrome de Richardson |
O1 ou O2 + A1 | Com freezing progressivo da marcha | |
O1 ou O2 + A2 ou A3 | Predominantemente com parkinsonismo | |
O1 ou O2 + C2 | Predominantemente com sintomas frontais | |
Possível | O1 | Predominantemente oculomotor |
O2 + P3 | Síndrome de Richardson | |
A1 | Com freezing progressivo da marcha | |
O1 ou O2 + C1 | Predominantemente com distúrbio de fala/linguagem | |
O1 ou O2 + C3 | Predominantemente com síndrome corticobasal | |
Sugestivo | O2 ou O3 | Predominantemente oculomotor |
P1 ou P2 | Predominantemente com instabilidade postural | |
O3 + P2 ou P3 | Síndrome de Richardson | |
A2 ou A3 + O3 ou P1 ou P2 ou C1 ou C2 ou CC1 ou CC2 ou CC3 ou CC4 | Predominantemente com parkinsonismo | |
C1 | Predominantemente com distúrbio de fala/linguagem | |
C2 + O3 ou P3 | Predominantemente com sintomas frontais | |
C3 | Predominantemente com síndrome corticobasal |
As opções de tratamento são, ainda, bastante limitadas. Utiliza-se a levodopa para os sintomas parkinsonianos, com algum resultado no fenótipo predominantemente com parkinsonismo. Os agonistas dopaminérgicos raramente funcionam, e há evidências limitadas de uma modesta eficácia da amantadina.
Conforme necessários, e sempre procurando equilibrar a ocorrência de efeitos colaterais, outras opções de tratamento medicamentoso compreendem:
- Baclofeno (para distonia)
- Levitiracetam (para mioclonus)
- Benzodiazepínicos (para distonia e para mioclonus)
- Inibidores da acetilcolinesterase, antagonistas de receptor de NMDA (para distúrbios cognitivos; resultados inconclusivos e piora observada de sintomas comportamentais ao uso de donepezil)
- Antidepressivos (para depressão e para sintomas comportamentais frontais)
- Anticolinérgicos (para sialorréia)
- Toxina botulínica (para distonia e para sialorréia)
Assim como na demência com corpos de Lewy e na atrofia multissistêmica, o uso de antipsicóticos é bastante problemático, somando-se aos efeitos adversos por eles causados em pacientes idosos.
Dentre os tratamentos não-medicamentosos, visando melhora de qualidade de vida, as terapias de reabilitação (Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Nutrição) são essenciais.
Nota:
Como mencionado na tabela com os níveis de certeza diagnóstica, a PSP (assim como a síndrome corticobasal e algumas formas de degeneração frontotemporal) é uma tauopatia — diferindo, portanto, das outras síndromes parkinsonianas, que caracterizam-se como alfa-sinucleinopatias.
Este post sobre a PSP conclui a série sobre parkinsonismo atípico iniciada com Parkinsonismo atípico: síndrome corticobasal (27/07/2021), seguida por Parkinsonismo atípico: demência com Corpos de Lewy (29/08/2021) e Parkinsonismo atípico: atrofia multissistêmica (25/09/2021).
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Schulman, M. Linda Ronstadt Has Found Another Voice. The New Yorker. 01/09/2019. Acessado em setembro de 2021.