Traumatismos cranianos podem causar lesões agudas no encéfalo através de diferentes mecanismos: diretos ou indiretos (por contragolpe ou decorrentes de hemorragia intracraniana [hematoma epidural/subdural, hemorragia subaracnóidea]).
Outros fatores preditivos iniciais do prognóstico neurológico (além do tamanho e da localização das lesões) a longo prazo são:
- escores iniciais na Escala de Coma de Glasgow
- ocorrência de hipóxia, hipertermia ou hipertensão intracraniana
- idade (crianças e adolescentes sendo mais susceptíveis a complicações agudas como a síndrome do traumatismo craniano juvenil e a síndrome do segundo impacto)
Complicações tardias:
Além das complicações imediatas que podem ocorrer (lesões vasculares, fístulas liquóricas, pneumocéfalo, infecções, lesões de nervos cranianos), podem ocorrer mais tardiamente:
- síndrome pós-traumática
- hidrocefalia
- crises convulsivas / síndrome epiléptica secundária
- sequelas cognitivas
- aumento do risco de desenvolvimento de outras doenças neurodegenerativas (doença de Alzheimer, doenças do neurônio motor, doença de Parkinson)
- hipopituitarismo (em traumatismos de maior gravidade)
A síndrome pós-traumática é possivelmente uma complicação crônica comum, sua frequência apresentando muita variação entre as séries (entre 4 e 59%). Os sintomas são predominantemente cognitivos e psicológicos, podendo ocorrer:
- cefaleia
- tontura
- fadiga
- irritabilidade
- dificuldades de concentração
- fragmentação do sono
- sintomas depressivos e ansiosos
- alterações visuais subjetivas
Apesar de se aventarem mecanismos fisiopatológicos envolvendo pequenas lesões em circuitos frontais ou temporais ou do eixo hipotálamo-hipófise, em muitos dos casos causas psicogênicas dos sintomas são importantes — principalmente se já havia anteriormente presença de transtorno psiquiátrico, e dependendo também de fatores psicossociais (e mesmo financeiros). Estes fatores são muitas vezes mais determinantes da persistência dos sintomas a longo prazo que as próprias lesões neurológicas.
Traumatismos repetidos, entretanto, podem levar ao desenvolvimento da disfunções neurológicas crônicas e progressivas; inicialmente reconhecida em ex-boxeadores sob as denominações síndrome punch-drunk ou dementia pugilistica, logo se percebeu que a encefalopatia traumática crônica poderia acontecer também em outros esportes e em outras situações.
Os sintomas manifestam-se vários anos após os traumatismos, normalmente se iniciando com sintomas comportamentais e evoluindo com aparecimento de sintomas motores e cognitivos.
Categorias | |
---|---|
Comportamentais e psiquiátricos | Desatenção, irritabilidade, impulsividade (sintomas iniciais mais frequentes) Depressão Ideação delirante |
Cognitivos | Demência (sintoma mais tardio) |
Motores | Extrapiramidais: Tremor de repouso, bradicinesia Cerebelares: Ataxia, dismetria, tremor Piramidais (menos frequentes): Amiotrofia, fraqueza muscular progressiva, hiperreflexia |
Outros | Cefaleia Vertigem |
Não há ainda tratamentos específicos para a doença; e, até o momento, dada a falta de biomarcadores confiáveis e à semelhança dos sinais e sintomas com várias outras doenças neurodegenerativas, para confirmar a suspeita ainda é necessário autópsia com exame anátomo-patológico do encéfalo.
Os achados macroscópicos compreendem:
- atrofia cerebral difusa, mais acentuada em lobos frontais e temporais e cerebelo
(em fases mais avançadas ocorre atrofia também de tálamo, bulbos olfatórios, corpos mamilares, hipocampo) - fenestrações do cavum do septo pelúcido
- perda de pigmentação e degeneração da substância negra e do locus ceruleus
Microscopicamente constata-se presença de emaranhados neurofibrilares de proteína tau e gliose, predominantemente perivasculares, nas camadas superficiais e no fundo dos sulcos em córtex frontal e temporal. Com a progressão da doença aumentam a extensão dos depósitos e as perdas neuronais.
Há ainda muitas perguntas ainda não respondidas sobre a encefalopatia crônica traumática:
- a prevalência da doença na população geral e em esportistas de diferentes categorias
- o risco causado por traumatismos (moderados/graves) únicos e o “limiar” de repetição dos traumas para desencadear o desenvolvimento da doença
- a existência de outros fatores de risco (ou fatores protetores)
- possibilidade de prevenção
- descoberta de biomarcadores (sangue/LCR)
- tratamentos potenciais
O filme Um Homem Entre Gigantes (2016) mostrou a luta do dr. Bennet Omalu (interpretado por Will Smith) contra os interesses da quando ele descreveu entre 2005 e 2006 uma série de casos de encefalopatia crônica traumática em ex-jogadores de futebol americano. A repercussão destes e de vários outros casos acabou fazendo a NFL e o governo federal americano custearem pesquisas sobre a doença em vários centros pelos Estados Unidos.
Como tem acontecido com certa frequência nos meios científicos, isso acabou acarretando uma guerra de vaidades e de interesses de ambos os lados:
… This is typically how Omalu responds to criticism: by claiming it comes from scientists corrupted by relationships with sports leagues. But his depiction of the science of CTE and his prominence in the CTE research community have yielded his own financial benefits.
Billing himself as the man who discovered CTE, Omalu has built a lucrative business as an expert witness for hire in lawsuits — including in the growing CTE-related litigation field — charging a minimum of $10,000 per case, according to his testimony. He also maintains a busy schedule of paid speaking engagements, charging $27,500 per appearance, records show, as he delivers his sermon against contact sports. (…)
(HOBSON, 2020.)
E:
… [Bennett] Omalu insisted that he has properly credited his predecessors, both in scientific papers and in public.
What’s not in dispute is that the [Mike] Webster autopsy and the ensuing attention Omalu’s diagnosis received did, in fact, serve as the catalyst for doctors, sports officials and media to begin treating concussions as a serious health risk.
Most sports leagues from the NFL to youth soccer now have concussion protocols that had never been contemplated before Omalu — and, to be sure, other brain researchers — began publicizing the often devastating tales of life with the battery of symptoms generally known as post-concussion syndrome.
“That’s when it started taking traction, when it was noted in professional football players,” said Barry Jordan, the chief medical officer for the New York State Athletic Commission and an Associate Professor of Clinical Neurology at Cornell’s Weill Medical College. “That in and of itself was monumental.”
(CBS New York, 2015.)
Bibliografia:
Hobson, W. CTE doctor Bennet Omalu has profited selling distorted science. Washington Post. 22/01/2020. Acessado em agosto de 2020.
Ling, H.; Hardy, J.; Zetterberg, H. Neurological consequences of traumatic brain injuries in sports. Molecular and Cellular Neuroscience. 2015;66:114-22.
Stippler, Martina. Trauma of the Nervous System: Craniocerebral Trauma. In: Daroff, Robert B.; Fenichel, Gerald M.; Jankovic, Joseph; Mazziotta, John C. (eds) Bradley’s Neurology in Clinical Practice. 6th ed. Elsevier, 2008.
Wartenberg, Katja E.; Mayer, Stephan A. Trauma. In: Brust, John C. M. (ed) Current Diagnosis & Treatment in Neurology. 2nd ed. McGraw-Hill, 2012.
‘Concussion’ Bennet Omalu Exaggerated His Role, Researchers Say. CBS New York. 17/12/2015. Acessado em agosto de 2020.