Wilheim Reich (1897-1957) foi um médico e psicanalista de origem austríaca de ideias e vida controversas (principalmente da década de 30 em diante). Partindo da Psicanálise freudiana ele aproximou-se de ideias sociais marxistas, procurando conciliar ambas com o objetivo de “erradicar as neuroses humanas”. Para tal ele participou de “clínicas de higiene sexual” (primeiramente na Áustria e depois na Alemanha) para orientar e libertar o proletariado da opressão moral que o impedia de atingir seu potencial revolucionário. Não demoraria muito, no entanto, para que Wilheim Reich divergisse das diretrizes do Partido Comunista (Alemão) e da Associação Psicanalítica Internacional, o que acabou acarretando que ambos o desligassem de seus quadros (em 1933 e em 1934, respectivamente).
Em meados dessa época ele já havia esboçado a Vegetoterapia. O tratamento representou um caminho divergente da Psicanálise com o uso de exercícios respiratórios ou corporais, além de eventual intervenção do(a) terapeuta com a pressão das áreas de tensão com os dedos ou as mãos.
Princípios da Vegetoterapia:
- A libido se move pelo corpo
- Músculos tensos bloqueiam o fluxo da libido
- Emoções reprimidas podem causar estado crônico de tensões musculares (ou vice-versa)
- As tensões musculares crônicas tendem a se distribuir de maneira segmentar horizontal (“anéis”) ao longo do corpo, o conjunto delas constituindo a couraça muscular
- Segmentos corporais:
- ocular
- oral
- cervical
- torácico (incluindo os membros superiores)
- diafragmático
- abdominal
- pélvico (incluindo os membros inferiores)
- A couraça muscular do caráter é, ao mesmo tempo, a causa e a expressão de sintomas e características neuróticos
- A mobilização da tensão muscular crônica libera a libido retida, o que se expressa como a emoção originalmente bloqueada
- Normalmente trabalha-se dos segmentos superiores para os inferiores
Nota: trocando “libido” por “Ki” lembra um pouco e bem de longe acupressura (Shiatsu [指圧]). Lembrando que os substratos teóricos e os objetivos do tratamento são completamente diferentes. E não há registros de que Wilheim Reich tivesse algum conhecimento das terapias orientais.
Em 1934, com a ascensão do nazismo, ele deixou a Alemanha e perambulou por vários países europeus buscando retomar suas atividades profissionais. Durante sua estadia na Noruega ele iniciou também pesquisas sobre a existência física da “energia da libido” e supostamente descobriu os bíons ao aquecer materiais diversos e mergulhá-los em água esterilizada (ou, no caso de substâncias inorgânicas, em solução nutritiva estéril); o exame microscópico mostrou vesículas brilhantes e pulsáteis com a tendência de se organizarem em agregados.
A respeito dessas pesquisas iniciais, consta em um trecho da tradução (The Bions: An Investigation into the Origin of Life) publicada na Journal of Orgonomy do original Die Bione: Zur Entstehung des vegetativen Lebens de 1938:
My knowledge of protozoology was limited. Nonetheless, I felt I could attempt to enter this field that was so completely new to me because of my thorough theoretical knowledge of biology and my background of clinical and research experience in orgasm function gathered over the past years. For the time being, I deliberately refrained from reviewing the biological literature so that I could be unbiased in my observations. I had an assistant compile the information found in the literature.
(REICH, 1937)
Alguns destes bíons emitiam uma “radiação diferente”, a sala onde se guardavam as culturas deste bíons ficava com o “ar pesado” e nela ocorriam “fenômenos ópticos peculiares”. Substâncias orgânicas (como madeira, papel ou algodão) podiam absorver a energia dessa “radiação”, enquanto metais a refletiam. Caixas construídas com camadas metálicas e orgânicas alternadas, inicialmente para observação dessa “radiação”, acabaram por serem consideradas “acumuladores” dessa “radiação”.
Esta “radiação” foi batizada como orgônio a partir dos termos “organismo” e “orgasmo”, lembrando sua importância para a formação e manutenção dos seres vivos e para todo o processo do orgasmo.
A reedição do conceito da uma “energia vital” esbarra em vários problemas teóricos, sendo os mais importantes:
- o orgônio não obedece às Leis da Termodinâmica
- o orgônio é onipresente
- o orgônio não possui massa
- o orgônio gera matéria
- o orgônio é responsável pela vida
- os agrupamentos de orgônio possuem um ciclo natural de nascimento, crescimento, maturidade e declínio
Wilheim Reich pesquisou variadas aplicações terapêuticas para o acumulador de orgônio e — inclusive — pesquisas sobre o clima utilizando aparelhos para dispersar a “radiação orgônica letal”.
Os tratamentos com os acumuladores de orgônio acabaram, a partir da década de 40, atraindo a atenção da FDA. Em 1954 Wilheim Reich foi processado mas vociferou contra a competência da agência sobre o orgônio e recusou-se a comparecer ao tribunal; a condenação resultante ordenou a destruição de todos os acumuladores de orgônio e livros/livretos/folhetos que mencionassem o orgônio. Por desacato às ordens ele foi preso em 12/03/1957 (após infrutíferas tentativas de apelação).
Em 03 de novembro do mesmo ano ele morreu na prisão. Ele havia determinado, num testamento, que seu legado deveria ser lacrado e somente aberto 50 anos após sua morte. Tido como um “charlatão” ou “cientista louco”, a abertura dos arquivos de seu legado em 2007 pouco mudou a situação. Mesmo artigos de periódicos reichianos e neo-reichianos se limitam, em sua maior parte, a questões filosóficas, históricas e terapêuticas.
Muito além da validade científica das ideias de Wilheim Reich, o próprio papel da dissolução das couraças musculares do caráter com o restabelecimento da capacidade orgástica na resolução das neuroses pode ter sido superestimado (devido a vieses decorrentes das circunstâncias da vida de Wilheim Reich e características da sociedade européia da primeira metade do século XX):
…These films [Barbarella (Roger Vadim, 1968) e O Dorminhoco (Woody Allen, 1973)] might be seen to contain, hidden within their comedy, the sort of doubts raised by Marcuse about the efficacy of the sexual revolution. Sexual pleasure, they appear to argue, is not always revolutionary, but can be offered by the establishment as a panacea, thus becoming in itself a form of repression.
(TURNER, 2011)
Bibliografia:
Gaiarsa, José Ângelo. Couraça Muscular do caráter: Wilheim Reich. São Paulo: Ágora, 1984.
Mann, William E. Orgônio, Reich & Eros: a teoria da energia vital de Wilheim Reich. São Paulo: Summus Editorial, 1989.
Turner, Christopher. Wilhelm Reich: the man who invented free love. The Guardian. 08/07/2011. Acessado em setembro de 2020.
Wilcox, Roger M. A Skeptical Scrutiny of the Works and Theories of WILHELM REICH. Acessado em setembro de 2020.
The Bions: An Investigation into the Origin of Life (trad. do original em alemão de 1938 de Wilheim Reich). Journal of Orgonomy. 1977,10(1).
American College of Orgonomy. Acessado em setembro de 2020.