A cefaleia constitui um dos motivos mais comuns de pedidos de consultas e encaminhamentos para serviços de Neurologia. Muitas vezes solicitando-se “exclusão de causas secundárias”, por causa de familiares ou pessoas conhecidas que tiveram “aneurisma” ou “câncer no cérebro”. Ou então tratamento de “enxaqueca” (como se costuma chamar toda e qualquer dor mais forte, independentemente de apresentar ou não as características necessárias e definidoras).
Contrariamente ao que muita gente acredita, a história clínica (com a definição das características da dor, da frequência, de possíveis fatores desencadeantes ou de piora) constitui o principal meio para se chegar ao diagnóstico. A American College of Radiology diz claramente em sua recomendação de 2017 (vide o post Choosing Wisely®, de 20/02/2020):
Don’t do imaging for uncomplicated headache.
Os sinais de alerta para possíveis causas mais graves (e necessidade de exames complementares) são:
- início recente ou mudança do padrão de uma cefaleia pré-existente
- início súbito ou associação com esforço físico, atividade sexual ou manobras de Valsalva
- associação com trauma craniano ou cervical
- presença de sinais ou sintomas neurológicos
- crises convulsivas
alterações do estado mental
alterações do nível de consciência
papiledema
deficits motores ou sensitivos
rigidez nucal - presença de febre e/ou sintomas constitucionais
- quadro inicial em
- grávidas, puérperas
portadores(as) de câncer
portadores(as) de HIV/AIDS ou outra causa de imunossupressão - quadro inicial de forte intensidade
- evolução com piora progressiva
- localização unilateral fixa
Alguns dos exames que podem se fazer necessários são:
Exemplos de condições causadoras de cefaleia secundária | Exames complementares mais indicados |
---|---|
AVEs | RNM (Cabe notar que a TC é de execução mais rápida — o que é vital em situações de urgência, caso se pense em trombólise com rTPA — e encontra-se disponível em mais serviços que a RNM.) |
Fraturas cranianas ou cervicais HSA Hematomas intracranianos |
TC |
Neoplasias Abcessos Encefalites Malformação de Chiari (ou outras lesões na região atlanto-occipital) Hipotensão liquórica Hipertensão intracraniana idiopática CADASIL MELAS SMART |
RNM |
Vasculites Aneurismas intracranianos Dissecccão carotídea ou vertebral Malformações arteriovenosas |
Angiotomografia ou angiorressonância; eventualmente angiografia |
Trombose venosa cerebral | Angiotomografia ou angiorressonância (fase venosa) |
Meningites Encefalites HSA Carcinomatose meníngea Hipertensão intracraniana idiopática |
Punção liquórica |
Arterite de células gigantes | VHS |
Além das condições acima citadas, várias outras podem merecer consideração dependendo das suspeitas decorrentes de dados de história clínica da avaliação. Apesar de comumente citados como causas de cefaleia, raramente distúrbios de refração causam cefaleia crônica — mais comumente causam dor e irritação ocular a esforço visual.
E quanto à ausência do exame de eletroencefalograma na tabela acima, tanto o post Sobre o Eletroencefalograma (EEG) e suas Indicações de 02/03/2020 quanto a recomendação da American Academy of Neurology de 2013 do post Choosing Wisely® (já citado no segundo parágrafo) dizem categoricamente:
Don’t perform electroencephalography (EEG) for headaches.
Aparentemente parece que exista ainda — aqui e nos EUA — quem peça EEG com esta indicação.
Nota 1:
Para maiores informações sobre migrânea vide o post Migrânea (ou Enxaqueca) de 06/07/2020.
Nota 2:
Independentemente das indicações médicas, outras considerações decorrentes de questões legais ou jurídicas podem se sobrepor e recomendar a indicação de exames.
Bibliografia:
Bartleson, J. D.; Black, David F.; Swanson, Jerry W. Cranial and Facial Pain. In: Daroff, Robert B.; Fenichel, Gerald M.; Jankovic, Joseph; Mazziotta, John C. (eds) Bradley’s Neurology in Clinical Practice. 6th ed. Elsevier, 2008.
American Academy of Neurology | Choosing Wisely. 21/02/2013. Acessado em fevereiro de 2020.