Cefaleias são um dos motivos mais comuns para consultas neurológicas, e existe uma tendência de chamar toda e qualquer dor mais forte de enxaqueca (ou migrânea). No entanto, existem características bem definidas que separam cefaleias migranosas de outras (não-migranosas).
- Herança familiar (não monogênica) na maior parte dos casos
- Sensibilidade a fatores ambientais
- Superposição com outras doenças neurológicas (doenças mitocondriais, distúrbios do sono, epilepsia)
Gene | Locus | Condição |
---|---|---|
CACNA1A (subunidade α do canal de cálcio tipo P/Q) |
19p13.13 | FHM1 |
ATP1A2 (Na+/K+-ATPase) |
1q23.2 | FHM2 |
SCN1A (subunidade α do canal de sódio) |
2q24.3 | FHM3 |
Notch3 (receptor Notch3) |
19p13.1-13.2 | CADASIL |
Na crise migranosa ocorre uma resposta encefálica alterada, com uma cascata de eventos que leva à ativação do sistema trigeminovascular — prosseguindo com fenômenos vasculares, inflamatórios e de sensitização central. Antes considerada a causa das crises, atualmente considera-se que a vasodilatação seja muito mais consequência que causa.
Conforme a ICHD-3, a definição operacional de crises migranosas é a que segue:
- Cefaleia com duração variável de 4 a 72 horas
- Presença de ao menos duas das seguintes características:
- Presença de ao menos um dos seguintes sintomas acompanhantes:
- Ocorrência de pelo menos cinco crises características
- Crises não atribuíveis a outro distúrbio
- localização unilateral,
- caráter pulsátil/latejante,
- intensidade moderada a forte,
- piora a esforço físico
- náusea e/ou vômitos,
- fotofobia E fonofobia
Observação: na crise migranosa há outros sintomas (como os sintomas prodrômicos, que precedem a aura/cefaleia, e sintomas associados — alterações de sono/apetite/humor) que são importantes de um ponto de vista fenomenológico apesar de não constarem nos critérios da ICHD-3.
Define-se como aura migranosa um ou mais os sintomas neurológicos focais e reversíveis que podem anteceder e/ou acompanhar a crise dolorosa. Eles podem ser:
- Visuais
- Sensoriais
- De fala/linguagem
- Motores
- Basilares (associadas ao tronco encefálico)
- Retinianos
Os sintomas visuais (fosfenos, escotomas, espectros de fortificação) advindos do córtex occipital são os mais comuns, podendo ocorrer ainda sintomas sensitivos e/ou de fala. Mais raramente podem aparecer sintomas motores, sintomas originados do tronco encefálico (disartria, vertigem, zumbidos, hipoacusia, diplopia, sintomas visuais temporais e nasais, ataxia, alteração do nível de consciência, parestesias bilaterais) ou sintomas visuais unilaterais de origem retiniana.
Dentre as complicações da crise migranosa, destacam-se o estado migranoso (crise com duração superior a 72 horas, a despeito de tratamento) e o infarto migranoso. Reconheceu-se na ICHD-3 que pode haver cronificação na evolução da doença, independentemente da ocorrência da cefaleia crônica diária; e é bastante frequente também a superposição de crises migranosas e de cefaleia do tipo tensional num(a) mesmo(a) paciente, que podem requerer tratamentos separados.
Além das medicações para tratamento agudo das crises, há também os tratamentos profilático, a se considerar nas seguintes situações:
- Frequência superior e 3 crises ao mês
- Grau de incapacitação acarretado pelas crises
- Falta ou perda de eficiência dos tratamentos agudos
- Ocorrência de auras não associadas ao córtex visual ou de infarto migranoso
Nota:
Comentários do post original, publicado em janeiro de 2011 e atualizado em setembro de 2017, a respeito da acupuntura na migrânea:
Rodrigo Ito 12/02/2011 00:52
Olá Fábio,
Fiz um poster pra semana médica da minha faculdade comparando a metodologia de pesquisas em acupuntura no tto da enxaqueca. Comparei uma pesquisa que usava abordagem diagnostica ocidental e uma outra que usada abordagem da medicina chinesa. Como era de se esperar quando se utiliza o Dx ocidental, a acupuntura não tem eficácia melhor que o medicamento. A pesquisa que usou o Dx da medicina chinesa mostra melhor resposta que o medicamento. Como a maioria dos ensaios são feitos com abordagem ocidental, até hoje ainda não há comprovação da vantagem de acupuntura sobre medicamento na enxaqueca, o que pra mim é um viés apenas metodológico.
Fabio S. 12/02/2011 20:06
O que tem que se enfatizar, entretanto, é que os trabalhos são sobre Medicina Ocidental, então os trabalhos feitos precisam obrigatoriamente avaliar pacientes com enxaqueca — o que pode acontecer, utilizando-se critérios diagnósticos da MTC é a inclusão de outros tipos de dor de cabeça (cefaleia tipo tensional, cefaleia em salvas, hemicrania paroxística crônica, entre outras).
Infelizmente poucos neurologistas se interessam pela área de Acupuntura, e muitos dos trabalhos não são coordenados por neurologistas, então vários desses trabalhos apresentam falhas diversas de metodologia (critérios de inclusão, controle inadequado, etc). E os trabalhos chineses, neste aspecto, costumam ser os piores.
Mas me interessa analisar o seu poster, mande um link se puder.
Rodrigo Ito, The Chinahealer 13/02/2011 00:14
É possível subdividir os pacientes com enxaqueca em grupos distintos de síndromes, e trata-los com protocolos fixos de acordo com a síndrome. Minha opinião é que a eficácia da acupuntura deve ser comprovada utilizando-a no contexto da medicina chinesa, para isso não é necessário abandonar a enxaqueca e criar outra categoria. É possível combinar os diagnósticos da medicina chinesa e ocidental.
Eu comparei 2 metodologias aplicadas em pesquisas feitas no Ocidente, justamente pela falta de confiabilidade das pesquisas feitas na China.
O link está aqui http://www.scribd.com/doc/48717377/Eficacia-da-Acupuntura-no-Tratamento-da-Enxaqueca-utilizando-o-contexto-da-Medicina-Tradicional-Chinesa
Bibliografia:
ICHD-3 – The International Classification of Headache Disorders, 3rd edition. Acessado em junho de 2020.
Goadsby, Peter J.; Holland, Philip R.; Martins-Oliveira, Margarida; Hoffmann, Jan; Schankin, Christoph; Akerman, Simon. Pathophysiology of migraine: a disorder of sensory processing. Physiol Rev. 2017;97:553–622.
Sutherland, H.G.; Albury, C.L.; Griffiths, L.R. Advances in genetics of migraine. J Headache Pain. 2019;20(72).