Mais Déjà Vu: Pesquisas Sobre o Uso Medicinal dos Alucinógenos

“As cores pareciam mais intensas e brilhantes. Senti uma nova consciência da beleza física do mundo, particularmente das harmonias visuais, cores, jogos e luzes e primor dos detalhes. E quando fechei os olhos apareceu uma multidão de figuras, de formas abstratas, cenas dramáticas de homens e animais em terras exóticas e épocas antigas. Apareceram então linhas ondulantes, grades, mosaicos, tapetes de flores, moinhos de vento, paisagens, ‘arabescos espiralando-se na eternidade’, a face de Buda, a face de Cristo, os lugares das moradas míticas dos deuses, a imensa escuridão do espaço.”

(Uma descrição da experiência subjetiva pós-ingestão de LSD.)

Uma leitura de velhos compêndios médicos podem proporcionar surpresas. O uso tão badalado atualmente de alucinógenos para tratamento de transtornos psiquiátricos, por exemplo, nada tem de novo, com períodos de maior e de menor interesse do século XIX para cá.

Os alucinógenos começaram a atrair a atenção dos estudiosos no fim do século XIX. Nessa época, pesquisas feitas por cientistas como Francis Galton, J.M. Charcot, [Sigmund] Freud e William James desencadearam um novo espírito de investigação em assuntos como alucinações, experiências místicas e outros fenômenos psíquicos “paranormais”.

(…)

O uso dos alucinógenos constitui questão muito discutida nos círculos médicos e psicológicos. Muito debatido é seu grau de periculosidade para a saúde quer física quer psíquica da pessoa.

Alguns estudiosos chamaram a atenção para as consequências prejudiciais que podem advir do uso das drogas. Solicitaram o controle de seu uso, o que tornaria ainda mais difícil obtê-las, mesmo para os pesquisadores que as utilizam em estudos. Os defensores dessa linha defendem a suspensão de todo e qualquer experimento com os alucinógenos.

Outros, sobretudo os que trabalham com as drogas, chamam a atenção para os fins construtivos dos alucinógenos: a suspensão da pesquisa seria uma afronta à ciência livre.

(Trechos do artigo As Drogas Alucinógenas do Volume X da série de livros Medicina e Saúde.)

Na data da edição da coleção (1970), apesar do potencial terapêutico demonstrado por resultados de pesquisas nas décadas de 50 e 60 (por Humphry F. Osmond [1917-2004], John R. Smythies [1922-2019], Abram Hofer [1917-2009], Ronald A. Sandison [1916-2010], entre outros), fazia já 2 anos da reclassificação do LSD e outras drogas alucinógenas como “drogas com potencial de abuso” por parte do governo americano; e, pouco tempo depois, com as resoluções da Convenção Sobre Drogas Psicotrópicas das Nações Unidas realizada em 1971 em Viena, os países signatários proibiram a manufatura e a comercialização de alucinógenos. Com tantas restrições legais, as pesquisas cessaram e seu uso restringiu-se às plantas e fungos em rituais indígenas tradicionais. Mesmo o interesse demonstrado pela “expansão da consciência” nos tempos da contracultura declinou nos anos que se seguiram, com a preferência passando para outras drogas ilícitas.

Em meados da década de 90, tudo isso viria a mudar gradualmente, com a retomada do interesse pelos potenciais benefícios da psilocibina (e, também, do MDMA, do LSD, da mescalina) no tratamento de transtornos de humor, transtornos ansiosos, alcoolismo e outras drogadicções. A advertência do artigo citado acima, passados 50 anos, parece bastante presciente:

Com base nas informações hoje disponíveis sobre os usos dos alucinógenos, conclui-se pela necessidade de alguma forma de controle social. Isso porque a reação a essas drogas depende não só de suas propriedades químicas, como também do contexto em que são utilizadas, do significado do ato e da personalidade do indivíduo que as toma. (…)

Eles funcionam, mas continuam ainda imprevisíveis e os mecanismos pelo qual agem sobre os vários transtornos não são ainda totalmente compreendidos.

Bibliografia:

Green List – List of Psychotropic Substances Under International Control. International Narcotics Control Board. 31st Edition. 2020. Acessado em julho de 2021.
Civita, V. (ed.) As Drogas Alucinógenas. In: Medicina e Saúde: Vol. X. Abril Cultural, 1970. p. 2572-4.
Begola, M.J.; Schillerstrom, J.E. Hallucinogens and Their Therapeutic Use: A Literature Review. Journal of Psychiatric Practice. 2019 Sep;25(5):334-46.
Bogenschutz, M.P.; Ross, S. Therapeutic Applications of Classic Hallucinogens. Curr Top Behav Neurosci. 2018;36:361-91.
Costandi, M. A brief history of psychedelic psychiatry. The Guardian. 02/09/2014. Acessado em junho de 2021.
Garcia-Romeu, A.; Kersgaard, B.; Addy, P.H. Clinical applications of hallucinogens: A review. Experimental and Clinical Psychopharmacology, 2016;24(4):229–68.
Grob, C.S. Psychiatric research with hallucinogens: what have we learned? The Psychedelic Library. Acessado em junho de 2021.
Hall, W. The need for publicly funded research on therapeutic use of psychedelic drugs. World Psychiatry. 2021 Jun;20(2):197-8.

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