Os AVEs são doenças cerebrovasculares que se caracterizam por déficits neurológicos (frequentemente focais e de início súbito) causados por interrupção na perfusão de um território vascular encefálico. Os sintomas decorrentes do AVE são altamente variáveis, refletindo a complexidade e multiplicidade de funções do encéfalo.
O sistema nervoso central depende exclusivamente do metabolismo aeróbio de glicose, consumindo cerca de 15 a 20% do débito cardíaco de repouso (mesmo constituindo apenas cerca de 2% da massa corporal total). Com a interrupção do suprimento sanguíneo, que é o denominador comum das diferentes causas de AVE, o tecido daquele território vascular cessa suas funções em poucos minutos e sofre lesão irreversível.
As áreas com fluxo sanguíneo marginal ao redor da área de infarto (denominadas de penumbra isquêmica) permanecem ainda viáveis por algum tempo — daí o aforisma “time is brain” da era pós-trombólise para os AVEIs.
Os mecanismos que levam aos AVEs compreendem:
- ruptura vascular (causando os AVEHs) ou
- obstrução vascular (causando os AVEIs)
Dependendo da extensão da lesão e do edema subsequente podem ocorrer complicações graves (principalmente entre o 3o e 6o dias de evolução). No AVEH, diferentemente do AVEI, além da lesão tecidual, há ainda a própria compressão física causada pelo hematoma, o que aumenta o risco e a incidência de complicações imediatas (especialmente em hematomas de lobo temporal ou do cerebelo).
Transcorrida a fase aguda, a reabsorção do hematoma (no caso dos AVEHs), a diminuição do edema, a eventual recuperação de função da área de penumbra e os fenômenos de neuroplasticidade contribuem para uma melhora relativa dos sintomas neurológicos. Sob condições favoráveis esta melhora é mais notável nos 3 primeiros meses pós-AVE.
Conforme dados do Stroke Data Bank (1983-1986) do NINDS, os AVEs são isquêmicos em 71% dos casos — destes, 19% por lesão de pequenos vasos, 14% com causas cardiogênicas e (menos comumente) 6% por oclusão de grandes artérias (ou ramificações principais) acometidas por doença aterosclerótica. Cabe observar que os AVEIs podem evoluir subsequentemente com o rompimento dos vasos anteriormente obstruídos, o que caracteriza a transformação hemorrágica secundária.
Dentre os fatores de risco para AVEs, há os fatores não modificáveis (principalmente idade mais avançada, gênero masculino e antecedentes familiares) e os modificáveis, que são:
- Hipertensão arterial sistêmica
- Diabetes mellitus
- Tabagismo
- Etilismo
- Fibrilação atrial
- Dislipidemia
- Antecedentes pessoais de AIT ou IAM pregressos
- Síndrome da apnéia obstrutiva do sono
- Uso de contraceptivos ou anabolizantes hormonais
- Uso de drogas estimulantes (anfetaminas, cocaína)
A hipertensão arterial sistêmica é o fator de risco mais importante tanto para AVEIs quanto para AVEHs; de fato, a incidência de AVEs segue uma relação direta com controle inadequado da pressão arterial. Entretanto, o aumento da prevalência de outros fatores de risco (principalmente diabetes mellitus), a dificuldade na modificação de hábitos de vida inadequados e o envelhecimento populacional contribuem atualmente para uma estabilização da incidência do AVEs.
Cumpre notar que o AVE é uma emergência médica, justificando internação hospitalar para uma imediata investigação
- da natureza da lesão (se é, efetivamente, uma lesão vascular),
- do tipo (isquêmico ou hemorrágico),
- de sua topografia e extensão, e
- da causa.
Os exames imagenológicos, tais como a TC (mais disponível em serviços de urgência e com alta sensibilidade para detecção de sangramentos) e a RM, são essenciais para a confirmação do diagnóstico e estabelecimento do tipo — pois não existem critérios clínicos que consigam diferenciar confiavelmente AVEIs de AVEHs. Como o manejo do tratamento é diferente para um e para outro, é essencial se fazer precocemente essa distinção.
O advento de cuidados hospitalares (com as Unidades de AVE) e ambulatoriais mais proativos e a trombólise por rTPA (e/ou trombectomia por procedimento endovascular) em casos de AVEI fez a sobrevivência a curto e médio prazos melhorar consideravelmente.
Os cuidados hospitalares nas Unidades de AVE compreendem:
- Monitorização respiratória (oximetria, frequência e padrão respiratórios)
- Controle de pressão arterial (visando redução cuidadosa)
- Controle de temperatura
- Controle de glicemia
- Monitorização e tratamento de eventuais arritmias cardíacas
- Correção de disturbios hidroeletrolíticos
- Atenção quanto a ocorrência de complicações neurológicas (herniação, hidrocefalia, diminuição do nível de consciência)
- Tratamento de eventuais crises convulsivas
- Prevenção de trombose venosa profunda
- Prevenção de atelectasias e pneumonias
- Prevenção de escaras e infecções hospitalares
- Tratamento fisioterápico precoce
Exames laboratoriais, duplex scan de carótidas e vertebrais, eletrocardiograma e ecocardiograma são outros exames importantes para a avaliação inicial. Eventualmente podem ser necessários outros exames, como os de angiografia, punção liquórica, triagem toxicológica ou sorologias.
Nota 1:
Convencionalmente as obstruções vasculares que determinam déficits neurológicos com duração inferior a 24 horas são denominados AITs, cuja importância reside no fato de até 15% dos pacientes apresentarem AVEIs num período de 3 meses após um AIT prévio — a maioria destes ocorrendo nas primeiras 48 h.
Nota 2:
O estudo ECASS-III de 2008 demonstrou que a janela terapêutica para trombólise com rTPA poderia ser estendida de 3 para 4,5 h do início dos sintomas (considerando-se o tempo necessário para avaliação, realização de exames e infusão do rTPA; recomenda-se um “door to needle time” inferior a 60 min).
Considerando-se estabelecido o diagnóstico de AVEI e o atendimento realizado dentro do período, os critérios de exclusão conforme guidelines da AHA são:
- Pacientes com sintomas neurológicos sutis ou melhorando rapidamente (NIHSS <5)
- Médias de pressão arterial sistólica >185mmHg ou diastólica >110mmHg no início do tratamento
- AVE extenso ou traumatismo craniano moderado/grave nos últimos 3 meses
- TP com RNI >1,7
- TTPA >40
- Crise convulsiva com déficit neurológico residual no pós-ictal, não causado pelo AVEI
- Procedimento cirúrgico de grande porte nos últimos 14 dias
- Antecedentes pessoais de hemorragia intracraniana
- Aneurisma
- Malformação arteriovenosa
- Plaquetopenia (<100.000 por mm3)
- Infarto agudo do miocárdio nos últimos 3 meses
- Hemorragia gastrointestinal ou geniturinária nos últimos 21 dias
- Hipoglicemia (<50 mg/dL)
- Neoplasia cerebral
- Sangramento ativo
- Trauma agudo
- Punção arterial em local não compressível nos últimos 7 dias
e os adicionais da ECASS-III:
- Idade >80 anos
- Antecedentes pessoais de diabetes mellitus E de AVE
- Uso de anticoagulante oral ou heparinas, com TTPA >40
- NIHSS >25
Bibliografia:
André, C. Manual de AVC. Revinter, 2006.
Mohr, J.P.; Wolf, Philip A.; Grotta, James C.; Moskowitz, Michael A.; Mayberg, Marc; von Kummer, Rüdiger (eds.) Stroke: Pathophysiology, Diagnosis and Management. Elsevier Saunders, 2011.
Powers, W.J.; Rabinstein, A.A.; Ackerson, T.; Adeoye, O.M.; Bambakidis, N.C.; Becker, K.; Biller, J.; Brown, M.; Demaerschalk, B.M.; Hoh, B.; Jauch, E.C.; Kidwell, C.S.; Leslie-Mazwi, T.M.; Ovbiagele, B.; Scott, P.A.; Sheth, K.N.; Southerland, A.M.; Summers, D.V.; Tirschwell, D.L. Guidelines for the Early Management of Patients with Acute Ischemic Stroke: 2019 Update to the 2018 Guidelines for the Early Management of Acute Ischemic Stroke: A Guideline for Healthcare Professionals from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke. 2019;50(12):e344-e418.