Óleo de Lorenzo

O Óleo de Lorenzo consiste numa mistura de trioleato de glicerol e trierucato de glicerol numa proporção de 4:1. Augusto (1933-2013) e Michaela (1939-2000) Odone formularam essa mistura quando o filho, Lorenzo Odone (1978-2008), foi diagnosticado em 1984 com adrenoleucodistrofia aos 5 anos de idade.

A adrenoleucodistrofia é uma doença de origem genética, causada por mutações no gene da proteína transportadora ABCD1 do peroxissomo localizada no cromossomo X (locus Xq28). Consequentemente ocorre um acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa no plasma e nos tecidos, com disfunção adrenal e neurológica. A apresentação clínica é bastante variável, com início na infância ou na idade adulta, além de diferentes fenótipos:

  • forma cerebral
    alterações comportamentais, deterioração cognitiva, ataxia, tetraparesia, comprometimento de visão e audição; crises convulsivas ocorrem mais tardiamente
  • adrenomieloneuropatia (a forma clinicamente mais comum)
    paraparesia espástica lentamente progressiva, ocasionalmente com neuropatia sensitiva associada; mais raramente, disfunção cognitiva
  • insuficiência adrenal isolada
  • forma assintomática

Apesar da transmissão pelo cromossomo X acometer predominantemente homens, mulheres portadoras também apresentam aumento do nível de ácidos graxos de cadeia muito longa no plasma e podem também expressar a doença.

A mistura dos ácidos graxos contidos no Óleo de Lorenzo reduz os níveis de ácidos graxos de cadeia muito longa através de um mecanismo de inibição competitiva de sua síntese. Associado a uma restrição desses ácidos graxos na dieta, alega-se diminuir o dano neurológico causado pela adrenoleucodistrofia.

No filme homônimo de 1992 (dirigido por George Miller e estrelado por Susan Sarandon e Nick Nolte) o casal Odone descobriu o que nenhum médico ou cientista havia percebido antes. Depois do lançamento do filme, houve um grande entusiasmo com o tratamento, impossibilitando realização de ensaios randomizados.

Mas os fatos não tardaram a arrefecer os entusiasmos iniciais:

  • o Óleo de Lorenzo causa plaquetopenia
  • o trioleato de glicerol e o trierucato de glicerol não atravessam a barreira hemato-encefálica, que efetivamente isola o sistema nervoso da entrada de muitas substâncias
  • estudos posteriores falharam em mostrar melhoras significativas em pacientes sintomáticos
  • em pacientes pré-sintomáticos o Óleo de Lorenzo presumivelmente (frisando bem o “presumivelmente”) retarda o aparecimento dos sintomas neurológicos

Apesar do que apareceu no filme, nenhum médico ou cientista se recusaria a ficar famoso — ou até mesmo a ganhar uma premiação — se soubesse o segredo do tratamento ou da cura de alguma doença até então intratável e/ou incurável. Ou se conseguisse criar novos paradigmas melhores que os antigos. Mas, muito antes da fama, há de se prestar contas quanto à segurança e eficiência do tratamento.

E por mais que o casal Odone quisesse que o seu Óleo fosse extraordinário, não é esse o caso. Mas foi um passo significativo, e é de passos incertos que se faz a ciência.

Nota:

Em 1989 Augusto e Michaela Odone fundaram a The Myelin Project com o objetivo de oferecer suporte para as famílias de portadores de adrenoleucodistrofia (e outras doenças da substância branca) e auxílio para pesquisas. Ao procurar o site do projeto consegui localizar o braço germânico (https://www.myelin.de/) e o britânico (https://myelinproject.co.uk/) mas por algum motivo misterioso o americano (https://myelin.org/) encontra-se desativado.


Bibliografia:

Augbourg, P. et al. A two-year trial of oleic acid and erucic acids (“Lorenzo’s oil”) as treatment for adrenomyeloneuropathy. New England Journal of Medicine, 1993; 329:745-52.
Daroff, Robert B. et al. (eds) Bradley’s Neurology in Clinical Practice. 6th ed. Elsevier, 2008.
van Geel, B.M. et al. Progression of abnormalities in adrenomyeloneuropathy and neurologically asymptomatic x-linked adrenoleukodystrophy despite treatment with “Lorenzo’s oil”. Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, 1999; 67:290-9.
Korenke, G.C. et al. Glyceroltrioleate/glyceroltrierucate therapy in 16 patients with x-chromosomal adrenoleukodystrophy/adrenomyeloneuropathy: effect on clinical, biochemical and neurophysiological parameters. European Journal of Paediatrics, 1995; 154:64-70.
Luda, E.; Barisone, M.G. Adult-onset adrenoleukodystrophy: a clinical and neurological study. Neurol Sci, 2001; 22:21-5.
Moser, A.B. et al. Plasma very long chain fatty acids in 3,000 peroxisome disease patients and 29,000 controls. Annals of Neurology, 1999; 45:100-10.
Moser, H.W. Adrenoleukodystrophy: natural history, treatment, and outcome. Journal of Inherited Metabolic Diseases, 1995; 18:435-47.
Restuccia, D. et al. Neurophysiologic follow-up of long-term dietary treatment in adult-onset adrenoleukodystrophy. Neurology, 1999; 52:810-6.
Rizzo, W.B. et al. Dietary erucic acid therapy for x-linked adrenoleukodystrophy. Neurology, 1989; 39:1415-22.
Suzuki, Y. et al. The clinical course of childhood and adolescent adrenoleukodystrophy before and after Lorenzo’s oil. Brain & Development, 2001; 23:30-3.
Lorenzo’s oil. Wikipedia. Acessado em agosto de 2020.

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.