Epilepsia e a Medicina Chinesa

As primeiras citações de epilepsia aparecem no Líng Shū com explicações não sobrenaturais para sua causa e sugerindo alguns tratamentos, aproximadamente na mesma época em que Hipócrates (ou discípulos/contemporâneos da Escola de Cós) fizeram o mesmo na obra Da Doença Sagrada.

No início do mal Dian, o paciente parece estar infeliz, seus olhos estão vermelhos e ficam olhando fixamente para a frente. Quando o mal é severo, o paciente terá a sensação de opressão no peito e fica inquieto. Quando se examina a expressão existente entre os dois olhos e as sombracelhas do paciente pode se predizer o ataque da doença. Ao tratar, picar os acupontos dos Canais Taiyang, Yangming e Taiyin da Mão [Meridianos ID, IG e P], deixando de picar quando a cor da compleição ficar normal.

Citação do Capítulo 22 [Dian Kuang]

O episódio descrito acima (provavelmente uma crise focal autonômica disperceptiva) é notável por fornecer uma das poucas descrições de crises não-convulsivas. O capítulo segue com descrições de crises generalizadas tônicas/atônicas e também de psicoses com sintomas de mania ou de depressão.

No início do mal Dian, o paciente tem voz de choro; deve se examinar e picar os acupontos ao longo dos Canais Yangming e Taiyang da Mão [Meridianos IG e ID] e aplicar a inserção contralateral: quando o lado esquerdo estiver rijo, picar o lado direito; quando o lado direito estiver rijo, picar o lado esquerdo; e cessar de picar após a compleição ter voltado ao normal. No início do mal Dian, o corpo do paciente fica primeiro ereto e rijo como um arco pendendo na direção contrária e, então, sente dores na espinha e nas costas. Deve se examinar e picar os acupontos ao longo do Canal Unitário Taiyang [Meridianos ID e B], cessando de picar após a compleição ter voltado ao normal.

No mal Dian que envolve os tendões, o paciente ficará cansado e com rigidez muscular e o pulso agigantado. O mal pode ser tratado picando-se o ponto Dazhu [B11] atrás do pescoço. Se o paciente vomitar com muita saliva, isto mostra que a energia dos rins está sendo excretada e que a doença não pode ser curada de forma alguma.

No mal Dian envolvendo o canal, o paciente pode cair repentinamente na instauração da doença; os vasos estarão inchados e moles nas quatro extremidades; se os vasos estiverem inchados e cheios, deve se picar para que saia sangue; se os vasos não estiverem inchados e cheios, pode se tratar aplicando moxabustão no Canal Taiyang do Pé [Meridiano B] prendendo a nuca e aplicar moxabustão nos acupontos a três polegadas do Canal da Cintura e nos Pontos Shu nas quatro extremidades [P9, Pc7, C7, IG3, TA3, ID3, BP3, F3, R3, E43, VB41, B65] e entre os músculos. Se o paciente vomitar com muita espuma, que mostra excreção de energia, o mal não pode ser curado de forma alguma.

É importante notar que originalmente os vários quadros de insanidade e os de epilepsia tinham uma única e a mesma designação: diān [癫]. Somente muito mais tarde viria a se distinguir entre “insanidade” (fēnɡdiān [疯癫]), “mania” (diānkuánɡ [癫狂]) e “epilepsia” (diānxián [癫痫]), mesmo nos dias atuais ocasionalmente não se enfatiza essa distinção (diferentemente do ocorrido na Medicina Ocidental a partir do século XIX, com a separação entre a Psiquiatria e a Neurologia).

A revisão de LAI e LAI de 1991 relaciona outras descrições de crises epilépticas:

  • “The patient suddenly sees a ghost-like subject, and smells an awful odor, falls to the ground with both fists clenched, limbs become cold and then the patient becomes unconscious (…)”
    Descrição de Fang Xian no Capítulo 68 do livro Qi Xiao Liang Fang (1470 EC) de crises focais sensoriais (visuais/olfatórias) evoluindo com crise generalizada tônica bilateral
  • “During the epileptic attacks, the patient makes unusual noises, and froths at the mouth. When the patient is about to awaken, the epileptic attacks begin again, and the cycle occurs again and again and never stops (…)”
    Descrição de Shen Jin Ao no livro Shen Shi Zun Sheng Shu (1773 EC) de status epilepticus

No “Curso de Especialização em Medicina Chinesa – Acupuntura” que fiz em 2004 apresentei um projeto de estudo observacional de série de casos intitulado Crises Epilépticas e Diagnósticos na Medicina Tradicional Chinesa: Correlações Clínicas com o objetivo de relacionar outros tipos de crises não mencionados implicita ou explicitamente na literatura. Infelizmente o comparecimento dos pacientes para as entrevistas foi muito baixo por uma serie de fatores, teria sido interessante pensar se crises focais não-motoras disperceptivas estariam mais relacionadas (ou menos) com Padrões de Deficiência e crises generalizadas motoras com Padrões de Excesso.

Bibliografia:

Bing, Wang. Princípios de medicina interna do Imperador Amarelo. São Paulo, Ícone, 2001.
Lai, C.W.; Lai, Y.H.C. History of epilepsy in Chinese traditional medicine. Epilepsia. 1991;32(3):299-302.
Shiba, F.S. Crises Epilépticas e Diagnósticos na Medicina Tradicional Chinesa: Correlações Clínicas. Curso de Especialização em Medicina Chinesa – Acupuntura da Universidade Federal de São Paulo, 2005.

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