Em 1869 o neurologista americano George Miller Beard (1839 – 1883) popularizou o termo neurastenia como um estado decorrente do esforço excessivo sobre o sistema nervoso, com sintomas físicos e psíquicos variados. O termo encontra-se ainda presente na CID‑10 de 1989 da OMS sob o código F48.0, apesar de já estar em desuso na prática médica atual no Ocidente.
Existem variações culturais consideráveis para a apresentação deste transtorno, sendo que dois tipos principais ocorrem, com considerável superposição. No primeiro tipo, a característica essencial é a de uma queixa relacionada com a existência de uma maior fatigabilidade que ocorre após esforços mentais freqüentemente associada a uma certa diminuição do desempenho profissional e da capacidade de fazer face às tarefas cotidianas. A fatigabilidade mental é descrita tipicamente como uma intrusão desagradável de associações ou de lembranças que distraem, dificuldade de concentração e pensamento geralmente ineficiente. No segundo tipo, a ênfase se dá mais em sensações de fraqueza corporal ou física e um sentimento de esgotamento após esforços mínimos, acompanhados de um sentimento de dores musculares e incapacidade para relaxar. Em ambos os tipos há habitualmente vários outras sensações físicas desagradáveis, tais como vertigens, cefaléias tensionais e uma impressão de instabilidade global. São comuns, além disto, inquietudes com relação a uma degradação da saúde mental e física, irritabilidade, anedonia, depressão e ansiedade menores e variáveis. O sono freqüentemente está perturbado nas suas fases inicial e média mas a hipersonia pode também ser proeminente.
(Definição do termo na CID‑10.)
Logo após a “popularização” do diagnóstico por G.M. Beard surgiram diversos tratamentos, que se propunham a restaurar a saúde dos(as) neurastênicos(as) com temporadas prolongadas de descanso, massagens, dietas, banhos (quentes e/ou frios) e o uso de águas minerais.
Das 15 páginas no Guia‑Formulario de Therapeutica (HERZEN, 1941) sobre o assunto, 7 citam diferentes formas de banhos (com um menor destaque para o uso de águas minerais), e 6 relacionam recomendações dietéticas.
HIDROTERAPIA.
Constitui o modo de tratamento mais eficaz, com a condição que não seja utilizado de maneira banal e uniforme.
(…)
Na neurastenia em geral (moléstia de esgotamento por excelência) constituirá a tonificação o preceito fundamental, e o progresso hidroterápico correspondente será a ducha curta e fria, de jato móvel e quebrado sobre o corpo inteiro, exceto a cabeça, e com a pressão média de 15 metros (sic).
No texto subdivide-se a neurastenia em várias formas distintas (abdominal, cardíaca, cerebral, genital, medular), além da hístero-neurastenia — também denominada de “neurose traumática” — e da neuropatia cérebro-cardíaca. Na data da publicação do livro (1941), porém, o diagnóstico da neurastenia já não tinha a mesma voga do período entre a segunda metade do século XIX e o início do XX.
Neste período do início do século XX o conceito da neurastenia entrou em voga em países asiáticos — particularmente Japão (shinkei suijaku [神経衰弱]) e China (shénjīng shuāiruò [神經衰弱]) — como um diagnóstico dentro dos sistemas de Medicina Tradicional. A neurastenia também acabou por constituir uma maneira aceitada de comunicar socialmente um estado de doença e sem o mesmo estigma de transtornos mentais. Os tratamentos envolvem mais a mudança de hábitos de vida e de alimentação, eventualmente com uso de medicações com efeito tônico, e retomada gradual das atividades.
Conforme o texto do Capítulo 30 (“Doenças de Natureza Interna e Pediátrica”) do Acupuntura: Um Texto Compreensível:
… A etiopatogenia da neurastenia é atribuída à fraqueza ou rompimento do Qi do Coração, do Fígado, do Baço/Pâncreas ou dos Rins. Assim, a depleção do Yin dos Rins pode fazer com que o Fogo no Coração vá para a região cefálica e o Yang do Fígado torne-se excessivo. Por outro lado, as emoções reprimidas podem fazer com que o Fígado se torne incapaz de realizar sua função de espalhar o Qi. Isto prejudica as funções digestiva e de transporte do Baço/Pâncreas.
O tratamento da neurastenia está direcionado para acalmar o espírito do Coração, reforçando os Rins e regularizando o Fígado e o Baço/Pâncreas.
(…)
ComentáriosA neurastenia está relacionada a desordens funcionais do cérebro, existindo várias causas que podem provocar essa doença. Por isso é preciso um cuidadoso diagnóstico antes de se iniciar o tratamento. (…)
E sobre a perda do reconhecimento “oficial” do diagnóstico da neurastenia no Ocidente da década de 50 em diante:
The Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, First Edition (DSM-I), published in 1952 (APA 1952), gives no formal recognition to neurasthenia. In its place, under the title of “psychophysiologic nervous system reaction,” a footnote is attached to indicate what is to be done to place those cases diagnosed as neurasthenia: “009-580 Psychophysiologic nervous system reaction.” This category includes psychophysiologic asthenic reaction, in which general fatigue is the predominating complaint. There may be associated visceral complaints. The term includes many cases formerly called “neurasthenia.” In some instances, an asthenic reaction may represent a conversion: if so, it will be so classified, with asthenia as a manifestation. In other instances, it may be a manifestation of anxiety reaction and should be recorded as such.
(LIN, 1989.)
Com idas e vindas conceituais desde o DSM‑I, o diagnóstico resiste principalmente por razões culturais.
Findings from a study of Southeast Asian refugees in California support the importance of retaining neurasthenia as a diagnosis, showing that it cannot easily be subsumed under the Western criteria of depression. In other words, although neurasthenia and depression overlap, neurasthenia seems to be distinct and causes distress in its own right.
Finding of several studies have led to interest in ressurecting the neurasthenia diagnosis included in the DSM for assessing Chinese Americans. These findings suggest a high prevalence of neurasthenia in Chinese Americans, that this diagnosis may be missed or misdiagnosed, and that patients with neurasthenia are not receiving treatment.
(SCHWARTZ, 2002.)
Bibliografia:
Herzen, V. Guia‑Formulario de Therapeutica. São Paulo, Livraria Editora Freitas Bastos, 1941. p. 668-83.
Lin, T.Y. Neurasthenia revisited: its place in modern psychiatry. Culture, Medicine and Psychiatry. 1989;13(2):105–29.
Schwartz, P.Y. Why is neurasthenia important in Asian cultures?. West J Med. 2002 Sep;176(4):257–8.
Shanghai College of Traditional Medicine. Acupuntura: Um Texto Compreensível. 1a ed. trad. São Paulo: Roca, 1996. p. 598-600.